terça-feira, 9 de março de 2010

Que Estado Temos, que Estado podemos ter?

As actuais comemorações do centenário da proclamação da República devem servir para reflectirmos sobre este facto da nossa história, porque existem semelhanças entre o ambiente geral de desilusão e descontentamento dessa época e o momento actual. No passado como agora, é possível enumerar um conjunto de factos preocupantes pela sua similitude: o défice económico, a inflação, a perda de confiança nas instituições e nos actores políticos. Os ideais republicanos da Liberdade, da Igualdade, da Dignidade da Pessoa Humana e de Justiça, foram muitas vezes desrespeitados e traídos durante a I República, contrariamente com o que se passa na II República, onde estes direitos têm sido respeitados, apesar das falhas na relação do indivíduo com o Estado, nomeadamente na Justiça, na Educação, e na promoção da coesão social. Mas a realidade começa a afastar-nos desse ideal, pois temos assistido passivamente às diferentes tentativas de destruição do sistema nacional de saúde, uma garantia constitucional. A transferência desta importante responsabilidade do Estado para a esfera privada, com a instituição de parcerias público privadas, diabolizando o sistema público, poderá deixar de fora os mais desfavorecidos e privar uma grande parte da população de acesso aos melhores profissionais de saúde, devido à fuga destes para o sistema privado. O mesmo se verifica com a educação e a tentativa de destruição da escola pública, para não falar na tentativa de privatização da segurança social.
A grave crise económica e o consequente défice das contas públicas, afinal o móbil que levou à consagração da República, têm sido os motivos apontados para a falência do Estado. O Estado-Nação, tal como o Estado-Providência, está em crise, fruto de um conjunto de factores como a crise económica, o fim da guerra-fria, a globalização, a competitividade, etc. Esta crise, mais do que económica, é uma crise de legitimidade. O Estado enfrenta uma falta de legitimação da sua autoridade.
O papel do Estado e as suas funções têm sido alvo de debate académico nos últimos anos, mas os políticos dos dois partidos do arco do poder, PS e PSD, não o têm agendado no actual debate político. Do Estado Colectivista, que sucumbiu com a queda do muro de Berlim, ao Estado Providência, que se esgotou, vivemos, hoje, a dualidade do Estado Liberal (individualista, segregador e competitivo) e do Estado Regulador, que, cumprindo funções sociais, enfrenta um profundo processo de transformação, motivado pela globalização e uma cidadania cada vez mais exigente.
Mas como chegamos a esta situação? O debate político aponta o número de funcionários públicos, os apoios sociais, entre eles o rendimento social de inserção, que já foi rendimento mínimo, as reformas antecipadas, os elevados gastos no sistema de saúde e na educação, a inversão da pirâmide demográfica, etc., como os responsáveis pela situação do défice e do empobrecimento do país e assim advogam uma mudança no tipo de Estado e nas suas funções. As receitas passam invariavelmente pela dualidade entre a diminuição da despesa ou o aumento da receita.

Os que advogam que o controlo do défice se deve fazer pela diminuição da despesa, apontam logo como solução o despedimento de funcionários públicos e a diminuição das regalias sociais (apesar de termos empresas públicas com prejuízos pornográficos, como a TAP, CP, RTP, etc. e onde os conselhos de administração, mesmo apesar destes resultados ganham enormidades, face aos salários da administração pública), sendo estes firmes opositores do Estado-Social. Por oposição, aqueles que defendem que o défice se faz pelo aumento das receitas, apontam o aumento de impostos, para tal solução. Temos assim duas visões opostas, digo mesmo antagónicas. Mas será que estas visões económicas são também políticas?

Será que estas crises financeiras, que anunciaram o fim do capitalismo e as falhas de mercado representam o fim da economia de mercado? Se assim é, então estamos na emergência de um novo modelo económico, ou o modelo do Estado social europeu, em consequência da recente crise, continua a ser viável?

Será possível continuarmos com as actuais politicas distributivas e redistributivas tão generosas, com uma oferta pública de bens de mérito, como a Saúde, Educação e Protecção Social, naquilo que apelidamos de Estado-Providência, ou como muitos advogam o Estado apenas devia centrar as suas prioridades na Segurança, na Justiça, na Defesa e na representação externa? Ou ainda, como outros defendem, a partilha de responsabilidades na Educação, na Saúde e na área social, afirmando que nestas áreas a responsabilidade do Estado não deve ser nem absoluta, nem exclusiva.

Mas que Estado temos hoje? Na impossibilidade de termos o Estado que queremos, importa pois reflectir no Estado que podemos ter.

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